domingo, 23 de novembro de 2008

A Questão do Bom ladrão

A Questão do Bom ladrão



Muitas vezes, a passagem de Lucas a respeito do “bom ladrão” é utilizada, principalmente, pelos nossos detratores de plantão, para sustentarem a idéia de que não existe a reencarnação. Não querendo entrar detalhadamente neste assunto, apenas gostaríamos de dizer para aqueles que não a aceitam, que vejam como ela é obvia nas seguintes passagens:
Mt 17,12: Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do homem.
Mt 11,14-15: E, se quereis dar crédito, é este o Elias que havia de vir. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.
Jo 3,3: Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.
Jo 3,7: Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo.
Vemos que, infelizmente, muitos ainda não “têm ouvidos de ouvir”. Não compreendemos como podem conceber uma Justiça Divina sem a reencarnação. Já que, para nós, a reencarnação é o único meio de “sermos perfeitos como o Pai Celestial” (Mt 5,48), conforme nos recomenda Jesus, a não ser que Ele nos tenha ensinado algo que não pudéssemos fazer, o que seria um absurdo.
Voltando ao que nos propomos, achamos por bem fazer uma análise desse episódio, para que possamos encontrar a verdade. Vamos, então, às narrativas bíblicas sobre tal acontecimento, tiradas da Bíblia Anotada, Editora Mundo Cristão:
Mt 27,44: “E os mesmos impropérios lhe diziam também os ladrões que haviam sido crucificados com ele”.
Mc 15,32: “Também os que com ele foram crucificados o insultavam”.
Lc 23,39-43: “Um dos malfeitores crucificados blasfemava contra ele, dizendo: 'Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também'. Respondendo-lhe, porém, o outro repreendeu-o dizendo: 'Nem ao menos temes a Deus, estando sob igual sentença? Nós na verdade com justiça, porque recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas este nenhum mal fez'. E acrescentou: 'Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino'. Jesus lhes respondeu: 'Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso'”.
Jo 19,18: “Onde o crucificaram, e com ele outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio”.
Ressaltamos que se a Bíblia, segundo dizem, é totalmente inspirada por Deus por que não narram os Evangelistas os mesmos fatos? Ora, se a fonte de inspiração é de uma mesma origem, Deus, deveriam ser tais narrativas completamente iguais, pelo menos quanto ao fundo. Poderemos até aceitar palavras diferentes, mas não com divergências quanto ao fato ocorrido; e aqui ele é narrado de forma diferente, conforme iremos observar a seguir:
1 – Quanto ao diálogo:
Mateus, Marcos e João nada relatam de qualquer diálogo entre os três crucificados.
2 – Quanto à atitude:
Mateus e Marcos dizem que os ladrões estavam, isto sim, entre os que escarneciam de Jesus. Só Lucas diz que Jesus teria dito para um deles que “hoje estarás comigo no Paraíso”.
3 – Quanto à testemunha:
João que estava ao pé da cruz, ou seja, a testemunha ocular, nada diz sobre este diálogo de Jesus com um dos ladrões.
Por curiosidade, vamos ver como essa frase aparece nas Bíblias de outras editoras:
Mundo Cristão: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”.
Vozes: “Em verdade te digo: ainda hoje estarás comigo no paraíso”.
Pastoral: “Eu lhe garanto: hoje mesmo você estará comigo no paraíso”.
Ave Maria: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no paraíso”.
Barsa: “Em verdade te digo: que hoje serás comigo no paraíso”.
Loyola: “Eu te asseguro: hoje mesmo estarás comigo no paraíso”.
Perguntaríamos, então, qual delas é a frase mais verdadeira? Enquanto algumas dizem “em verdade”, outras dizem “eu garanto” e “eu te asseguro”, apesar dessas Bíblias terem como origem o mesmo segmento religioso.
Por outro lado, vários outros autores confirmam o que o Dr. Severino Celestino da Silva disse em seu livro Analisando as Traduções Bíblicas:
Sabemos que os manuscritos originais do Novo Testamento não possuíam pontuação, e em face do fato de o grego clássico (incluindo o grego koiné, no qual foi escrito o Novo Testamento) gozar de ampla liberdade no tocante à ordem das palavras, é impossível, à base do próprio texto grego, provar um lado ou outro dessas idéias contraditórias. (SILVA, 2001, pp. 309-310)
Assim, não fica difícil entender que nas traduções colocaram a pontuação conforme a conveniência de cada tradutor.
Analisando, especificamente essa frase, e, se admitirmos que isso realmente tenha acontecido, teremos uma contradição de Jesus, pois Ele mesmo disse: a cada um segundo suas obras. (Mt 16,27). E, quando do episódio com Madalena, após sua ressurreição, disse Ele a esta mulher: “Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (Jo 20,17). Ora, se Jesus, três dias após sua morte, ainda não tinha subido ao Pai, como Ele poderia ter afirmado ao “bom ladrão”, que hoje estarás comigo, ou seja, justamente no dia de sua morte na cruz?
Por outro lado, o “bom ladrão”, ao reconhecer que “nós na verdade com justiça, porque recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas este nenhum mal fez”, ele está aceitando a justiça dos homens, e por mais forte razão, aceitaria a Justiça de Deus que lhe daria uma pena merecida. Assim, podemos concluir também que ele não estava pedindo uma recompensa por algo que não tivesse feito, mas, apenas que Jesus se lembrasse dele quando voltasse; certamente visando o perdão dos seus pecados, não é mesmo?
Além disso, o dito “bom ladrão” (e, diga-se de passagem, é o único ladrão bom da história da humanidade) somente reconheceu que ele e o outro tinham motivos para morrerem crucificados, e que Jesus era um inocente sendo condenado; assim, já que não houve nem mesmo um simples arrependimento, por parte dele, por que o prêmio?
Narra Mateus (20,20-23) que a mãe dos filhos de Zebedeu chega a Jesus com o seguinte pedido: “Ordena que estes meus dois filhos se sentem um à tua direita e outro à tua esquerda, no teu reino”. Não vemos Jesus atendendo ao pedido desta abnegada mãe; ao contrário, disse-lhe: “Mas quanto a vos sentardes à minha direita ou à minha esquerda, não me cabe concedê-lo, porque estes lugares são destinados àqueles para os quais meu Pai os reservou”. Ora, se aqui Jesus afirma que não cabe a Ele conceder um lugar no Paraíso ou reino dos céus, como, então, promete um lugar ao “bom ladrão”? Será que Ele estaria contradizendo-se? Acreditamos que não, pois tanto nesse caso, quanto no outro, teria que agir sem conceder qualquer tipo de privilegio, ou seja, “a cada um segundo suas obras”.(Mt 16,27).
Não bastassem os fatos acima, uma análise cuidadosa da cena do Calvário revela que o ladrão pode não ter morrido naquele mesmo dia, pois João (19,31-33) nos diz: "Os judeus, pois, para que no sábado não ficassem os corpos na cruz, visto como era a Preparação (pois era grande o dia de Sábado), rogaram a Pilatos que lhes quebrassem as pernas, e que fossem tirados. Foram, pois, os soldados e, na verdade, quebraram as pernas do primeiro, e ao outro que com ele fora crucificado; mas, vindo a Jesus, e vendo-O já morto, não Lhe quebraram as pernas".
Arnaldo B. Chistianini aborda a questão do costume de quebrar as pernas em seu livro Sutilezas do Erro, de onde transcrevemos:
Por que "quebrar as pernas" dos justiçados? Porque o crucificado não morria no mesmo dia. Cristo foi caso excepcional e sabemos que não morreu dos ferimentos ou da hemorragia, mas de quebrantamento do coração. Morreu de dor moral por suportar os pecados do mundo. Mas os outros, não, e as crônicas descrevem o condenado esvaindo-se lentamente durante dias.
Diz, por exemplo o comentário de J. B. Howell:
"O crucificado permanecia pendurado na cruz até que, exausto pela dor, pelo enfraquecimento, pela fome e a sede, sobreviesse a morte. Duravam os padecimentos geralmente três dias, e às vezes, sete." (1)
É óbvio que os homens de maior robustez física duravam até sete dias na cruz. No caso em tela, os judeus, não permitiram que se conservasse um criminoso na cruz no dia de sábado, pois consideravam um desrespeito à santidade do dia de repouso.
"De acordo com o costume, quebravam as pernas dos criminosos depois de os haverem removido da cruz, deixando-os estendidos no chão, até que o sábado passasse. Depois do sábado haver passado, sem dúvida esses dois corpos foram outra vez amarrados na cruz, e lá ficaram diversos dias, até morrerem..."
Se era necessário quebrar as pernas aos dois malfeitores, antes do pôr-do-sol, é porque não haviam, morrido ainda. Na pior das hipóteses viveram ainda, pelo menos, um dia a mais que o Mestre. Como podia, um deles, estar no mesmo dia junto de Jesus?
(1) E. Howell, Comentário a S. Mateus, pág. 500.
(CHISTIANINI, 1965, pp. 274-275).
Se era necessário quebrar as pernas aos dois malfeitores, antes do pôr-do-sol, é porque não haviam morrido ainda. Na pior das hipóteses, viveram ainda pelo menos um dia a mais que o Mestre. Como podia, um deles, estar no mesmo dia junto de Jesus?
Já falamos, várias vezes, mas não custa repetir. Coloquemos a frase do seguinte modo: Em verdade te digo hoje, estarás comigo no paraíso. Veja como uma simples vírgula muda completamente o sentido do texto... Desta forma, é muito mais condizente com a Justiça Divina, pois um indivíduo somente irá para o Paraíso, quando tiver realizado as obras que justifiquem merecê-lo, não importando quanto tempo levará para isso.
Também não estaria em conflito com o texto: “Ora, se invocais como Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo a obra de cada um, portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação, ...” (1Pd 1,17). E, para reforçar que Deus não faz mesmo acepção de pessoas, pedimos para consultar: Dt 10,17; 2Cr 19,7; Jó 34,19; At 10,34; 15,9; Rm 2,11; Ef 6,9 e Cl 3,25.



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Bibliografia
Bíblia Anotada, São Paulo, Mundo Cristão, 1994.
Bíblia Sagrada, Edição Barsa, 1965.
Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, Sociedade Bíblica Católica Internacional e Paulus, 14ª Impressão 1995.
Bíblia Sagrada, Edições Paulinas, São Paulo, 37ª Edição, 1980.
Bíblia Sagrada, Editora Ave Maria, São Paulo, 1989, 68ª Edição.
Bíblia Sagrada, Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1989, 8ª Edição.
DA SILVA, S. C. Analisando as Traduções Bíblicas, João Pessoa: Idéia, 2001.
CHISTIANINI, A. B. Sutilezas do Erro, Santo André, SP: CPB, 1965.

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